Direito do Trabalho Descomplicado para Empresas e Profissionais que buscam

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Artigo

  1. Contextualização da decisão

No julgamento do processo Ag-AIRR-12645-26.2019.5.18.0241, realizado em abril de 2025 pela 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho e relatado pela Ministra Liana Chaib, ficou consolidado o entendimento de que a prática de assédio moral e sexual no ambiente de trabalho gera responsabilidade direta do empregador, quando perpetrada por seus prepostos ou empregados. O caso envolveu uma trabalhadora vítima de condutas assediadoras e discriminatórias que, além de comprometerem sua dignidade, violaram direitos fundamentais. O Tribunal não apenas reconheceu o direito à indenização, como também reforçou que o valor arbitrado deve carregar um caráter punitivo e pedagógico, a fim de coibir a repetição dessas práticas. O julgado, portanto, se apresenta como um marco na luta contra a violência de gênero no ambiente de trabalho, situando-se dentro de um contexto mais amplo de direitos humanos e de cumprimento das obrigações internacionais assumidas pelo Brasil.

  1. Fundamentos jurídicos aplicados

A decisão do TST se apoiou em bases sólidas do ordenamento jurídico brasileiro e também em normas internacionais. Do ponto de vista interno, a Ministra relatora destacou a Lei nº 9.029/95, que veda toda forma de discriminação no acesso e manutenção do emprego, especialmente por motivo de sexo, raça, idade, origem ou deficiência. Essa lei prevê consequências severas, que vão desde a esfera penal, com a possibilidade de detenção, até a administrativa e civil, com a aplicação de multas e a obrigação de reparar os danos causados. Além disso, o Tribunal se valeu do artigo 932, inciso III, do Código Civil, que impõe ao empregador a responsabilidade pelos atos de seus empregados e prepostos, sempre que tais condutas ocorrerem no exercício da função ou em razão dela. Assim, a empresa foi considerada responsável, ainda que não tenha participado diretamente do assédio, justamente porque tem o dever de zelar por um ambiente de trabalho saudável e livre de discriminação.

Outro ponto fundamental foi a menção à Convenção nº 190 da OIT, que trata da eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho, e à Agenda 2030 da ONU, especialmente no que diz respeito ao compromisso internacional de promoção da igualdade de gênero e de trabalho decente. O TST, ao fundamentar sua decisão nesses instrumentos, ampliou a leitura da proteção jurídica, reconhecendo que o combate ao assédio é não apenas uma obrigação legal, mas também uma responsabilidade social e internacional do Estado e das empresas.

  1. Relevância do caráter pedagógico da indenização

Um aspecto inovador e de grande relevância na decisão foi a valorização do caráter pedagógico da indenização por danos morais. O Tribunal deixou claro que a reparação não pode se limitar a compensar a vítima pelos sofrimentos suportados. Ela deve também desempenhar uma função preventiva e educativa, de modo a transmitir uma mensagem clara de repúdio às práticas de assédio. Esse entendimento aproxima o direito brasileiro do conceito de punitive damages, típico de outros sistemas jurídicos, mas que cada vez mais ganha espaço nas discussões nacionais, sobretudo em situações de grave violação de direitos fundamentais.

No caso concreto, o TST manteve a condenação da empresa ao pagamento de indenização de R$ 2.000,00 pelo assédio moral e R$ 10.000,00 pelo assédio sexual. Embora os valores não sejam altos, o ponto central da decisão foi justamente o reconhecimento de que a quantificação deve carregar simbolismo e reprovação, ainda que não seja possível restaurar o status psicológico da vítima. A indenização, portanto, é também uma forma de sinalizar à sociedade e ao meio empresarial que tais práticas não serão toleradas.

  1. Implicações práticas para as empresas

As implicações da decisão são significativas para o ambiente corporativo. A responsabilidade objetiva do empregador, prevista no Código Civil e reafirmada pelo TST, significa que a empresa poderá ser responsabilizada mesmo sem culpa direta, bastando que a conduta assediadora esteja vinculada ao exercício do trabalho. Isso impõe às organizações a necessidade de adotar medidas preventivas robustas, como políticas de combate ao assédio, programas de compliance trabalhista, treinamentos periódicos, canais de denúncia eficazes e acompanhamento adequado das relações de trabalho.

Mais do que uma exigência legal, a decisão demonstra que a atuação empresarial deve estar em sintonia com compromissos internacionais como a Convenção 190 da OIT e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. A igualdade de gênero, a dignidade no trabalho e a erradicação da violência de gênero se tornam, assim, não apenas questões éticas, mas também estratégicas para a sustentabilidade das empresas e para a redução de riscos jurídicos e reputacionais.

  1. Conclusão

Ao julgar o caso, o TST reafirmou que o assédio moral e sexual no ambiente de trabalho não pode ser tratado como mero incidente individual, mas como uma violação grave a direitos humanos, que afeta tanto a vítima quanto a coletividade. A decisão evidencia que a indenização deve carregar uma mensagem clara de repúdio, combinando os aspectos compensatório e punitivo. Também reforça que o Brasil, ao aderir a tratados internacionais e assumir compromissos como os previstos na Agenda 2030, está juridicamente vinculado a implementar medidas concretas de combate à violência de gênero.

Assim, a decisão representa um importante passo para consolidar o entendimento de que a responsabilidade do empregador vai além da dimensão contratual e alcança uma dimensão ética, social e transformadora. O combate ao assédio no trabalho, portanto, deve ser visto como parte de uma política mais ampla de promoção de direitos fundamentais, igualdade de gênero e trabalho decente.


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